Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

sábado, outubro 19, 2013

Os beagles da Royal e a fé inabalável na ciência

O beagle Joca: sim, ele sente. Foto: Paulo Toledo Piza
O beagle Joca: sim, ele sente. Foto: Paulo Toledo Piza

Ah, a ciência, essa encantadora ninfa de olhos azuis. Por ela, tudo. O resgate dos beagles do Instituto Royal, em São Roque, trouxe à tona o debate sobre o uso de animais em testes de laboratório. A discussão ainda é incipiente no Brasil, mas é muito bom que tenhamos começado a falar sobre o assunto.

Tenho lado. Sou protetora e apaixonada por bichos. Aderi ao vegetarianismo há um ano, desde que li os primeiros estudos sobre a capacidade dos animais de sofrerem. Em julho de 2012, em uma conferência em Cambridge, 25 neurocientistas de todo o mundo assinaram um manifesto afirmando que mamíferos, aves e polvos têm consciência. Ou seja, sofrem.

"Não acho ser necessário tirar vidas para estudar a vida. Precisamos apelar para nossa própria engenhosidade e desenvolver tecnologias para respeitar a vida dos animais", disse à época um dos signatários do manifesto, o neurocientista canadense Philip Low, pesquisador da Universidade Stanford e do MIT.

Tenho lado. Há cinco anos, vivo com um beagle. O nome dele é Joca. Ele fecha os olhos quando o vento lhe bate no focinho. Deita a cabeça no meu colo quando estou triste. Sorri com o corpo todo quando está na grama, ao sol, ao lado de outros bichos. E late para o fogão quando estou comendo na sala, para que eu levante e vá ver o que há – enquanto ele rouba meu sanduíche de cima da mesa.

Tenho lado. E tenho honestidade intelectual, portanto, estou aberta ao debate.

Em julho, passou a valer na União Europeia uma lei que proíbe testes em animais na indústria de cosméticos e a comercialização desses produtos na região. No Brasil, os experimentos são permitidos desde que aprovados por conselhos de ética, compostos majoritariamente por pesquisadores. O funcionamento é semelhante ao daqueles conselhos e daquela ética que livram políticos da cassação. Deputados julgam deputados. Senadores julgam senadores. Cientistas julgam cientistas.

O curioso, nesse início de debate, é como alguns durões - para sustentar a fama de mau - passam a confiar cegamente nas instituições. A linha argumentativa: “a sociedade científica brasileira diz que não há crueldade no Caso Royal”. Em nome da ciência, pesquisadores alemães tentaram mudar a cor dos olhos de bebês com injeções, jogaram pessoas em água gelada para testar a resistência do corpo à hipotermia e dissecaram irmãos gêmeos vivos. Tudo isso por considerar as ‘cobaias’ como sub-humanos.

Você realmente precisa de um especialista para conceituar crueldade e maus-tratos? Você precisa de um especialista para dizer se algo dói?

O que está em discussão não é o sentimentalismo de quem se comove com cães fofinhos. É o nosso próprio sentido de humanidade. Quão humano você é?

“Quando a aplicação tecnológica das descobertas cientificas é clara e óbvia – como, por exemplo, quando um cientista trabalha com gases que atacam o sistema nervoso -, ele não pode propriamente alegar que ‘nada tem a ver’ com essas aplicações, sob o pretexto de que são os militares, e não os cientistas, que usam os gases para aleijar ou matar”, John Passmore, filósofo australiano, citado em O Mundo Assombrado Pelos Demônios, de Carl Sagan.

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