Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

domingo, setembro 14, 2014

A pergunta

Sou mulher. Casei há pouco mais de um ano. Completo 30 anos daqui a três meses.

Qual a primeira pergunta que te vem à cabeça?

“E filhos? Você quer?”
Aposto!

Depois do casamento, perdi a conta das vezes em que fui questionada sobre isso. E não só por pessoas próximas. Por quem mal conheço. Por quem acabei de conhecer. Em encontros de amigos e em entrevistas de emprego. Levo um susto cada vez que ouço a pergunta.

Ela aparece volta e meia quando estou entretida brincando com alguma criança. “E filhos? Você quer?” Poxa, eu só queria comer o meu bolinho! Não! Eu só tô brincando com ela. Acho divertido. Sinto falta de crianças por perto desde que mudei da cidade onde moram meus primos - que já cresceram. Sou assim atenciosa com velhinhos também. Eu juro.

Penso em todas essas respostas, mas nunca as articulo. Sempre sorrio envergonhada e digo: “Ahã, quero sim. Um dia.” Me parece a forma mais simples de abreviar o assunto.

A verdade: eu não faço a menor ideia! Não quero pensar nisso agora, não quero ser cobrada. Me deixa! Sai daqui! Ok, menos, menos.

Sei que meus óvulos vão ficar velhos e tal. Sei que, mais tarde, posso me arrepender de não ter engravidado antes. Sei que posso não conseguir engravidar quando tiver 35 anos. Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Oh, wait... eu nem sei se quero filhos. Com o que estou preocupada?

Não, minha carreira não está acima do meu desejo maternal. Estou em paz com minhas escolhas profissionais. E em paz com minhas escolhas pessoais. A casa fica vazia às vezes? Sem dúvidas. Mas a casa de quem tem filhos não fica assim também – mesmo em meio ao caos de fraldas, choros, gritos e gargalhadas? Onde está o vazio afinal? Aqui fora? Ou aí dentro? É justo gerar um ser para preencher o vazio dentro de casa? Ou um vazio dentro do peito? Para que afinal você quer um filho - aos 20, 30 ou 40 anos? E mais: é preciso mesmo pensar tanto em ter ou não ter um filho?

Digo tudo isso, veja bem, sem amargura. Não fico brava com o questionamento nem culpo quem o faz. Entendo o motivo. Sou mulher. Casei há pouco mais de um ano. Completo 30 anos em três meses.

É igual quando a gente namora há anos e tem de responder o tempo todo ao fatídico: “E o casório? Sai ou não sai?” Quando a gente entra no ensino médio e tem de esclarecer ao mundo: “Vai prestar vestibular pro quê?” Quando a gente vira adolescente e ouve das tias: “E os namorados?” Quando a gente ganha um irmão mais novo e...: “Tá cuidando ou tá com ciúmes?”

A vida é uma ciranda de sinucas de bico. As pessoas fazem umas às outras as mesmas perguntas, sem parar. Sem pensar. Sem ouvir a resposta. Pouco importa a resposta. O fundamental é pontuar, a cada fase da vida do outro, o que o mundo espera dele. Controle os ciúmes, arranje um namorico, escolha Medicina ou Direito, case logo de uma vez, tenha um filho. E, de preferência, mais um outro.

Por vezes, essas questões são apenas para puxar papo. Se assim for, proponho uma lista de alternativas gentis, para quando surgir aquela vontade irresistível de cobrar seu interlocutor. Fique à vontade para copiar, fazer uma colinha, acrescentar perguntas e praticar. Pratique muito!

- Será que chove?
- Esfriou, né?
- E essa eleição, hein?
- Bonito seu cabelo. Você corta onde?
- Tava trânsito?
- Você é [insira aqui a ocupação da pessoa], né? Como é?
- Você é [insira aqui a cidade natal da pessoa], né? Como é lá?
- Em matéria de sorvete, morango, creme ou chocolate?
- Grifinória ou Sonserina?
- Beyoncé ou Lady Gaga?
- Doce ou salgado?
- Praia ou campo?

- E feliz? Você quer ser?



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