Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

quinta-feira, março 02, 2006

Cabelo Duro

Te olha no espelho. Péra. Não tem um por perto? Tudo bem. O reflexo na tela do computador também vale. Aposto um saco de jujubas que a primeira mirada foi nas tuas melenas. E elas, invocadas com teus constantes xingamentos, ondularam ainda mais diante da olhadela. E tu segues rançando.

Mas, diacho, quem disse que fio de cabelo é linha reta? Que lei impõe pena de morte aos elétricos fugitivos da glosna? Já sei. Tu leste na Nova, não foi? Homens, a Vip publicou, não é mesmo? Sei, querida, a Estilo enumerou as técnicas de extermínio de cachos, certo?

Aliviemos a barra da [minha amada] mídia. Desde a primeira aula de balé, meninas aprendem a emplastar o cabelo para livrar-los dos frisos. Desde a primeira domingueira de aniversário, meninos aprendem oferecem suas franjas às caprichadas lambidas de vaca.

Por que, hein? Cabelo esticado lá tem ritmo ou molejo? Fio escorrido não ginga nem baila. Aos lisos e, principalmente, às lisas: não entendam como ofensa ou tampouco como despeito. Amo meu cabelo duro. É isso mesmo. Abro parênteses. Pra dizer que me amarro na minha bagunça capilar. Meus castanhos fios são extensões fiéis dos nós dentro de minha caxola. É como se meus pensamentos, tontos, não coubessem no cérebro e pulassem cegos para o abismo de meus ombros. Amo meu cabelo duro. Fecho parênteses.

Já sentaste na última fileira do ônibus? Notaste como o vento adentra o coletivo pelas ventarolas e musica os passos de caracóis dançantes? Reparou no viço negro de pêlos rústicos? Sem luzes artificiais. Com sombras genuínas.

Vês aquele sorriso satisfeito espelhado na tela do pc? É tua raiz crespa que te acena. Ou então, possível é, ser apenas minha imaginação recém expulsa de um fio enrolado.

"Você ri da minha roupa/Você ri do meu cabelo/Você ri da minha pele/Você ri do meu sorriso/A verdade é que você/Tem sangue crioulo/tem cabelo duro/Sarará crioulo" [Olhos Coloridos, de Macau]
Texto redigido em 30 de Novembro de 2004