Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

quinta-feira, março 02, 2006

Cores ao vento

Entardece. O sol encolhe-se aos poucos para detrás dos morros do Rio de Janeiro, como uma criança sapeca brincando de esconde-esconde. A luz preguiçosa recolhe-se resignada. Por hoje já cumpriu sua função. Enquanto os raios mornos despedem-se das ruas, os passos apressados as preenchem. Milhares de pares de sandálias, tênis e sapatos brancos tomam a calçada. É hora de ir pra casa. A mulher gorda aquece o leite no fogão de bocas cariadas. O cheiro acre toma o ar do barraco. Hoje, no café da tarde, não tem pão. Não hoje. Hoje é dia de cerveja e samba bom. Moedas contadas. A escola cospe meninos agitados. Tchau, até segunda-feira. As crianças correm pelas vielas. Despacham suas mochilas. Apanham seus brinquedos de papel de seda. Todos a seus postos. Ainda sobra uma nesga de sol. Translúcidas à luz do sol do entardecer, as pipas ganham o céu, colorem a favela cinzenta. Na força dos meninos equilibristas que bamboleiam nas lajes dos barracos e empunham suas pipas azuis-céu-de-fevereiro, o morro mostra que existe. O morro, última parada do sol, resiste.

Texto redigido em 05 de Junho de 2004, no Rio de Janeiro