Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

O mito do gordo safado

Há uma semana eu descobri que sofro de hipotireoidismo. É um distúrbio que desacelera o metabolismo. Muitos devem estar arrependidos de ter feito tanta chacota com o meu peso.

Sim. Ronaldo e eu, Carolina, temos algo em comum. Comecei a tomar os remédios há dois dias. Alimento uma discreta esperança de que o excesso de peso, velho companheiro, enfim fique pela estrada, caído como um peso morto.

Discreta esperança. Pois alguém que luta contra a balança há 16 anos simplesmente não tem direito de ser ambicioso. Há de se dar tempo ao tempo. E tempo ao corpo.

Fiz todas as dietas e reeducações alimentares imagináveis – e inimagináveis. Emagreci tanto quanto engordei. E engordei tanto quanto emagreci. Além do saldo negativo para a saúde, restou-me um saldo positivo em quilos. São 25 a mais do que meus tornozelos deveriam sustentar.

Mas comemoro. Porque quem luta contra a balança há 16 anos tem de aprender a festejar pequenos feitos. Há dois anos mantenho o mesmo peso. Não emagreço. Também não engordo.

Antes do hipotireoidismo, descobri que sofria, desde a adolescência, de distúrbios alimentares. Descobri isso num divã, onde, pela primeira vez, não fui tratada como uma gorda safada – que é como médicos e leigos (oi, você aí) tratam alguém fora de forma. Não emagrece porque não quer. Basta fechar a boca.

Aqui, a piada do gordo com escritos de “venci a anorexia” na camiseta perde a graça. Sim, venci a anorexia. Encarei a compulsão alimentar. E a estou vencendo. Um distúrbio geralmente se manifesta atrelado ao outro. A depender das emoções em curso.

Desde o início da terapia, desencanei de dietas. Abandonei nutricionista e endocrinologista. O esforço básico delas era me convencer do sabor insuperável de uma sopa de aipo. O quê? Você não gosta? Por isso é gorda. Gorda safada. Próximo paciente!

Pensei em nunca mais bater à porta de um médico de emagrecimento, mas alguém soprou o nome de uma. E eu estava mesmo curiosa em saber por que não emagrecia se comia direito há dois anos. E fui. Desconfiada sempre. Desesperançosa nunca.

Consultório modesto. Sem decoração planejada ou música ambiente. Entrei na sala de consulta e mal vi a balança, à espreita atrás da porta. A médica queria saber de mim. Uma hora de histórias tristes, que transformo em graça para não morrer de estresse.

O trauma da berinjela. A sopa de aipo. Os inibidores de (qualquer) apetite. Muitas risadas.

No final, um detalhe: meu peso. Sem interjeições de surpresa ou o anúncio do óbvio diagnóstico de “você está acima do peso”, ela anota os números numa ficha.

Segue-se uma manhã inteira de exames. E, depois de algumas semanas, a leitura deles. A tireoide desregulada faz parte de um quadro clínico chamado síndrome metabólica. Em resumo, o corpo está uma bagunça. Nada funciona direito. Sozinha (e sem remédios para reorganizar o metabolismo) eu jamais emagreceria.

Enfim, a certeza: não sou uma gorda safada. Quase ninguém de quem você tira sarro é. E só isso já me faz sentir mais leve.

Saiba +

8 Comments:

Blogger Eric Luis Carvalho said...

Que bom que faz vc se sentir melhor, Carolina =). Qdo ouvi o Ronaldo fazer o anúncio, fiquei surpreso, pq há 3 dias atrás acompanhando uma amiga, conheci esse problema. Ela está passando justamente por isso. Enfim,bacana pe ver a força de vontade de todas vcs, que independente de qualquer coisa, não deixam de ser lindas! Sucesso sempre! =D

14 fevereiro, 2011 22:44  
Blogger Rebêlo said...

Acho 'gorda safada' um apelinho carinhoso tão ótimo :) Agora já sei, nunca mais uso com ninguém.

15 fevereiro, 2011 00:18  
Blogger Carolina Freitas said...

Bom, Rebêlo, tudo depende do contexto, mas, de forma geral, o julgamento de "gordo safado" é um estado coletivo de consciência, uma forma de olhar e tratar quem está acima do peso. Independe de você falar as palavras ou não.

15 fevereiro, 2011 08:08  
Blogger Unknown said...

Babe...temos muito mais em comum além do sobrenome viu....eu não vou falar pra ninguém, além deste post escondidinho aqui..Só o fiz pra te dizer: sou filho, irmão e posso te dizer que os remédios funcionam....mas sem a corrida ficaria onde estou...força....não é fácil nem rápido..mas compensa meu anjo..boa sorte!!!

15 fevereiro, 2011 09:30  
Blogger Unknown said...

Carol,
belo texto. Muito sensível. Super bom mesmo.
espero que vc se cuide direitinho para ficar saudável!

Bjão

15 fevereiro, 2011 12:27  
Blogger Gustavo said...

Eu sofro desse problema também, assim como grande parte da minha família materna, mas não faço tratamento no momento. O problema não é só esse, a minha mãe está com câncer na tireóide, o que só vai piorar o quadro todo.

Inspirado pela história do Ronaldo e a sua, talvez eu volte ao endocrino pra receber tratamento.

Espero que você atinja seus objetivos!

15 fevereiro, 2011 16:38  
Blogger Carolina Freitas said...

Gustavo, se você estiver em São Paulo posso indicar minha médica. Gostei muito dela. Boa sorte para sua mãe. Estou rezando para que se recupere. Beijo e obrigada pela visita!

15 fevereiro, 2011 16:44  
Blogger Unknown said...

Carol me passa o contato desta médica... urgenteeeeee

04 julho, 2011 07:01  

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