Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

quinta-feira, março 02, 2006

Reclame

Um dia você vê um cara estirado no chão. Um tiro. Sem suspeitos. Você fica de boca aberta. Mas ninguém nota, é só mais um, ou melhor, menos um. Todo mundo segue caminhando, como se a calçada fosse um rio ligeiro, sempre atrasado pra chegar não se sabe onde. E a cena se repete. Milhões de vezes, sem que ninguém se importe em, ao menos, tapar o rosto do vivente, ou melhor, do morrente.

Não há tempo. Não há espaço. Tudo flutua num universo paralelo. Longe de mim. Longe de ti. Você bem que gostaria de ajudar. Mas está ocupado demais. Você tem horários a cumprir. Você tem metas a atingir. Uma delas é um dia ter tempo pra fazer o que você gostaria de estar fazendo agora. Mas esse dia nunca chega.

Então você continua boiando nas águas turvas desse rio maluco. E se conformando com absurdos. E concordando com tiranias. E reclamando do mau tempo. Pois chove. E esse sim é um grande problema. Digno de ser discutido em elevadores e mesas de botequim, onde se reúne a intelectualidade do lugar comum. O que nos interessa se tem um corpo jazendo na rua? Não é o nosso. Hoje.

Texto redigido em 02 de Maio de 2004, no Rio de Janeiro