Daquele tipinho
Não sou do tipo que reclama. Juro. Culpada é a fumaça, esta ranzinza. Vilão é o asfalto que bate duro no solado de minhas botas. E o vômito das sarjetas enfaradas. O mendigo roto. A mulher gorda.
Da água, a última gota. Deles reclamo. Culpo-os.
Não sou do tipo que jura. Insisto. O tranco me fez jurar agüentá-lo. Mal levantar do tombo e já acertar o passo. Jurei persistir. Culpada é a promessa de tornar-me mestre de obras. Peão iludido sou.
Sem direitos trabalhistas, sou menos funcionária que as engrenagens oleosas da impressora do jornal.
Não sou do tipo que disfarça. Culpado é o burburinho de matracas agourentas no metrô. Vilões são os fiapos de vida nos olhos do menino de rua. O caminhar do coto. A velha corcunda. A curva ao final da ladeira, que me faz escorregar pelo banco gorduroso do ônibus.
Igual a óleo quente, desvio do nó na garganta. Música nos ouvidos para surdez. Livro nos olhos para cegueira. Canivete na bolsa para prevenir.
Não sou do tipo que escorrega. Porém – inevitável – tropecei na caudalosa cidade. Por minutos suspensos no ar, ensurdeci para a melodia. Vi nuances de caleidoscópio. Fugiu o raciocínio, e esqueci como caminhar em linha reta.
Não sou do tipo que foge. Mas – entendam-me – fugiria. E não precisaria mais culpados do que um teclado encardido para dedilhar reportagens e trocados para garantir o pão integral de cada dia.
E uma varanda. Para regar as violetas que, como eu, resistem à cidade de sombras.
Acreditar na existência dourada do sol. Mesmo que em plena boca nos bata o açoite contínuo da noite. Arrebentar a corrente que envolve o amanhã. Despertar as espadas, varrer as esfinges das encruzilhadas. Meu companheiro tá armado até os dentes. Já não há mais moinhos como os de antigamente. [O cavaleiro e os Moinhos, de Elis Regina]
3 Comments:
Carol,
Se eu te disser que estou numa fase de questionamentos e desilusões você acreditaria? Acho que o profissional sempre se questiona quando se vê de alguma forma estagnado. E as pessoas, principalmente aquelas com olhos 'sonhadores', deixam de perceber os 'moinhos'. Talvez eles ainda estejam lá, assim como sempre estiveram, mas nossa percepção pode ter mudado.
Lave o rosto, esfregue os olhos...deixe Billie Holiday sussurrar mais altos em seus ouvidos...quem sabe esse não seja um bom remédio?
Carolzinha, menina! Saudade de ti!
Acho que vou a Sampa nas férias. Se isso se confirmar (as férias, não a viagem... hehe) aí eu te ligo pra gente tentar se ver aí na capital do concreto, blz? Te cuida, bjo!
Caracol, como você escreve bem...nunca tinha lido um texto seu não jornalístico. É forte, ritmado e maduro. Parabéns!
E poste mais, vou passar por aqui sempre.
Beijocas!!
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