Outras saudades
A atendente do café da avenida rói as unhas. Não tem a quem servir. A mim, chocolate. Cinco gotas e meia de adoçante. A ti, café. Forte e sem rastro de açúcar. Perambula perdida do balcão à porta. Pergunta-se onde estaremos nós. Limpa as mãos suadas no avental de listras verdes. Suspeita de uma viagem inesperada. De uma doença galopante. De uma falência monetária. Ocorre-lhe a hipótese de um rompimento trágico. Arranca o naco remanescente da unha amarelada do mindinho.
A mesa do botequim espera ansiosa. Pelo tamborilar de minhas unhas vermelhas no tampo de fórmica. Pelos teus dedos explicando um esquema tático qualquer. Pelo engatinhar de nossas mãos para se aprisionarem desavisadas. Trocam toalhas. Caem copos. Traçam toucinhos. Cruzam-se as pernas da mesa, zangada.
O asfalto deixa cair grossas lágrimas cinzas. Pelos passos teus. E meus. Que agora rumam sozinhos. Em descompasso. Sapatos pretos se arrastam pela calçada. Têm pressa. Trabalham até a noite. À meia-noite. Percorrem caminhos duvidosos. Saltos vermelhos batem na cara da rua. Vão firmes. Saem antes do sol nascer. E o sol nem sempre nasce. Esticam-se para alcançar bocas desconhecidas.
A minha poesia chora. Por não ter teus mouros olhos a percorrê-la. Lacrimeja à palavra não dita. Ao verso não lido. À dedicatória esquecida. Sente frio. Eriçam-se as rimas. Encolhe-se a métrica. Pela falta da mornidão do teu olhar. A contemplá-la como uma bela nua. Espia atordoada para fora da gaveta. Não avista tuas castanhas amêndoas. Suspira.
Num soluço, a poesia chora ao abandono. Dramática, se debate desesperada. Agarra-se à mesa. Foge de minha caneta. Encolhe os ombros. Entala o coração. Se contorce, sôfrega.
Pelo fim de nossa inspiração cotidiana, a poesia se amassa em uma bolinha de papel. E morre.
A mesa do botequim espera ansiosa. Pelo tamborilar de minhas unhas vermelhas no tampo de fórmica. Pelos teus dedos explicando um esquema tático qualquer. Pelo engatinhar de nossas mãos para se aprisionarem desavisadas. Trocam toalhas. Caem copos. Traçam toucinhos. Cruzam-se as pernas da mesa, zangada.
O asfalto deixa cair grossas lágrimas cinzas. Pelos passos teus. E meus. Que agora rumam sozinhos. Em descompasso. Sapatos pretos se arrastam pela calçada. Têm pressa. Trabalham até a noite. À meia-noite. Percorrem caminhos duvidosos. Saltos vermelhos batem na cara da rua. Vão firmes. Saem antes do sol nascer. E o sol nem sempre nasce. Esticam-se para alcançar bocas desconhecidas.
A minha poesia chora. Por não ter teus mouros olhos a percorrê-la. Lacrimeja à palavra não dita. Ao verso não lido. À dedicatória esquecida. Sente frio. Eriçam-se as rimas. Encolhe-se a métrica. Pela falta da mornidão do teu olhar. A contemplá-la como uma bela nua. Espia atordoada para fora da gaveta. Não avista tuas castanhas amêndoas. Suspira.
Num soluço, a poesia chora ao abandono. Dramática, se debate desesperada. Agarra-se à mesa. Foge de minha caneta. Encolhe os ombros. Entala o coração. Se contorce, sôfrega.
Pelo fim de nossa inspiração cotidiana, a poesia se amassa em uma bolinha de papel. E morre.
12 Comments:
Carol...vamos fazer um pacto infernal. Insina-me a usas essas palavras bacanas e eu ensino a linkar favoritos no blog.
Qual o tipo do teu sangue?
O meu não é nobre...
Beijo.
seria essa troca justa?
meu sangue é A. não é nobre, mas é - ao menos - positivo.
Ah!!! Que vontade de gritar, ao ler este texto, esta maravilha, esta poética de becos e palavras não ditas... Uma maravilha! Uma maravilha, Carol! Quaisquer outras palavras que não sejam exclamações serão pobre e impossíveis, pois estou tomado pela beleza de tuas palavras! Fiquei pensando em quantos versos meus já não tiveram a mesma destinação...
aliás, serão "pobres e impossíveis"...
obrigada pelo carinho, teófilo. sorte nossa que muitos dos teus textos se salvam da bolinha de papel e são publicados. poesias são temperamentais. têm mania de cometer suicídio.
beijo!
Ruborizado, agradeço pelo seu comentário, mas creio que sorte maior é a nossa, leitores de sua 'caxola' (será que algum dia encontraremos poemas seus por aqui??)!
A solução fatal do verso a que se nega o olhar é uma alegoria muito pertinente, neste nosso mundo tão objetivo e com tão pouco tempo para a poesia. Não só a poesia-verso dos poetas que as escrevemos, mas a poesia que transborda ao redor de nossos olhos, tantas vezes a ela indiferentes...
E até quando morre, é poesia
sinceramente, coloque em verso.
Carolina, isso é muito natural dos teus olhos que devoram a vida ávidos.... gostei demais das escritas, aprendeste bem a escravizar as palavras e fazer o léxico atender teus caprichos. ou será que foste tu que virastes escrava delas? eu sempre tenho essa dúvida....
Achei legal!
Roubei!
Ta la no Adelaides!!!!
Saudades e orgulho de ti, estrela do Estadão!
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