O caminho de volta
Ninguém mais se arrepende. Os divãs dos psiquiatras, as revistas de comportamento, os livros de auto-ajuda. Gritam todos em uníssono: não me arrependo de nada, só do que deixei de fazer. Ah, bem vejo. Teu semblante de vitória – agora, olhe o espelho! – não deixa dúvida.
Depois que o sofrimento pelas más escolhas torna-se um fardo, finges que a dor é penitência voluntária. E nas costa as leva. Com um orgulho de fazer corar.
Lá está o arrependimento. Nem adianta desdizer. Ele fala por ti. No rancor, na inveja, no ranço, grita o arrependimento. Neste fio de ruga que nasce em tua testa. Neste lodo fluido que corre em teus olhos. Nesta ladainha de língua cansada sobre o tempo, a vizinha, a sorte e o acaso. Eis o arrependimento.
A sabedoria popular – ou ignorância coletiva, ao teu gosto – nos doutrina: errar é humano; só não erra quem não tenta; é errando que se aprende a acertar. Tenho minhas dúvidas e, verdade seja dita, não recomendo. Reparar o erro, quando não impossível, pode se tornar tarefa de uma vida inteira.
Meu arrependimento: pesar demais. Não rumino nem alimento arrependimento. Mas não sou hipócrita. Admito senti-lo. Escolhas erradas levaram-me a pesar, agora, vinte quilos além do necessário para meu 1,54 metro.
Cinco deles se foram. Mas os ponteiros da balança são geniosos e lerdos – exatamente como eu fui nestes dez anos de distúrbios alimentares. Quem olha de longe pouco nota. Ora, continua gorda a Carolina. Só Carolina sabe a luta. Só Carolina sabe o arrependimento de não ter reconhecido a hora de parar. Só Carolina sabe como é difícil achar o caminho de volta.
Há dias de pouca fé e muito desespero. Ocupo estes com lágrimas e soluços. Fecho os olhos e tento lembrar em que dia tomei esse caminho. Que roupa eu usava? Que cor eram meus cabelos? Quanto eu pesava?
Vejo Carolina num manequim 36. E esbofeteio sua cara magra: por que tu me deixaste vir por esta estrada? Ela responde, com três piscadelas, não saber de nada. E eu acredito.
O caminho de volta ainda custa tempo. O caminho de volta, em calçada e asfalto, não existe. Construo a cada dia. E a cada dia o destruo também. Com a esperança de um dia fincar os pés n’algum lugar seguro.
"It's a cruel cruel world, to face on your own. A heavy cross, to carry along. The lights are on, but everyone's gone. And it's cruel. It's a funny way, to make ends meet. When the lights are out on every street. It feels alright, but never complete. Without joy." [Heavy Cross, The Gossip]
Marcadores: arrependimento, compulsão alimentar, obesidade, passado
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home