As pernas da bailarina
Ainda custo a afastar do peito essa angústia. Tanto feito. Tanto a fazer. E, antes que eu possa atualizar a lista de pendências, a vida vem e cobra. A gente faz as contas enquanto correm os juros. Viver é dever pra si. Viver é dever pro mundo.
Os ponteiros do relógio são como as pernas de uma bailarina que exagerou na dose ao chorar o fim de um amor.
A bailarina ensaia uma pirueta. Ergue a perna direita, desenha um semicírculo no ar. A perna de apoio bamboleia. Ela retorce o tronco a buscar equilíbrio e cai, lenta. Toca o chão como um lenço de pano. Pano de chão.
É quando a bailarina tomba que a música aumenta a batida. Dance, dance, dance, bailarina, ordena cada nota. Ela junta-se os cacos. Dança como pode, já zonza. As pernas bailam bambas. E as horas passam.
Anos passam. Já são quase 30. Não venero juventude nem vejo graça em molecagem. É só o peso dos 30. Não há nada com a idade. Meu problema é criar rugas antes de sararem as espinhas.
A vida corre rápido demais. Há dias durmo com uma certeza: acordarei com 90 anos. Ao lado da cama, sentada em uma cadeira de encosto alto, estará minha netinha. “Dorme, vó, é cedo ainda”, ela me diz. Fecho os olhos e cochilo. É cedo ainda.
"Caro é transformar-se num arremedo de si próprio a ponto de nem se reconhecer mais. Hoje eu tenho 130 anos, isso não estava nos meus planos. Você sabe, a desordem é tenaz" [130 anos, Agridoce]
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1 Comments:
Carol, como sempre precisa com as palavras.
É bem isso ;) bj
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