Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

quinta-feira, março 02, 2006

Entra na roda morena pra ver. Ô balancê, balancê.

Sentada em frente à tela azul da televisão. Os dedos magrinhos bicam o controle remoto. Filme requentado. Novela pastelão. Pastor evangélico. Enlatado ianque. Cutuca mais uma vez o controle e eis o melhor programa da tarde: desliga. Coça a canela direita com o calcanhar esquerdo. Calça os chinelos almofadados. Lá de fora, uma batida cadenciada adentra a janela aberta. Ela esfrega os olhos. Os chinelos a arrastam até o parapeito. A mão espalmada atrás da orelha espreita o som. Violão de sete cordas, cavaquinho, reco-reco, cuíca e pandeiro denunciam: é samba. O bloco se espalha pela praça. Foliões jogam seus confetes.

Enquanto ela se debruça na janela, eu, encolhida, espio a folia sentada num banco de madeira. Levanto um pouco o olhar e encontro a colombina de cabelos brancos. Com um xale e seus 80 anos sob os ombros ela dança. Simplesmente dança. Sozinha na sala de seu apartamento térreo. Os chinelos acolchoados devem estar inquietos. E saudosos de um carnaval. Um carnaval em que não existia ainda chinelos de pelúcia. Eram as sapatinhas de lantejoulas da colombina que giravam no salão.

Encantada, sorrio sozinha no meio da praça lotada. Os olhos dela projetam nos meus suas lembranças. Balançando os ombros de um lado para o outro e apontando um dedinho para o céu, ela sorri: “Vai dançar, menina!” Tiro do bolso a serpentina azul e jogo para minha amiga colombina. De sua janela, ela lança-me confetes. Desenrolo-me dos meus medos e sou mais uma dentro do bloco.

“Chik chik chik chik chik bum! / Chik chik chik chik chik bum! / Pare o bonde, pare o bonde / Que inda vai entrar mais um” [marchinha de 1941, de Antônio Almeida]

Texto escrito em 30 de Janeiro de 2005, no Rio de Janeiro