Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

quinta-feira, março 02, 2006

O calor de um coração de pedra

Ela é feita de prata. Esculpida em um bloco compacto de metal pesado. O Artesão-mor criou suas formas com precisão. Nada sobra. Nada falta. Em seus olhos colocou o brilho vago de uma noite sem lua. E em suas mãos, restos da luz de um vaga-lume. Forjada a marteladas, a bela sustenta sua pose altiva com a leveza de uma pluma ao vento. Com os pés fincados no centro da cidade, lá está a estátua.

Para compensar o sorriso estrelado, o Artesão-mor colocou-lhe no peito um coração de pedra. Disse-lhe, ainda, que jamais poderia amar ou chorar. Por mais que transeuntes jogassem à estatua beijos de amor, ela não poderia corresponder. Por mais que os pombos lhe lançassem bombardeios, não poderia lançar mão de seu estilingue contra as aves. Era de impecável beleza. E de intocável perfeição. Intocável. O Artesão-mor tratava de guardar sua mais preciosa obra em um alto pedestal.

Freqüentadora de pracinhas pacatas, eu passei, dia desses, em frente a estátua. Arregalei os olhos. Agucei os ouvidos. Escutei um sussurro. Não distingui as palavras. Estava a dois passos da escultura. Espalmei minha mão atrás da orelha direita. “Liberte-me, menina de olhos d’água”. Fitei seu rosto sereno. A voz angustiada não era ouvida no semblante tranqüilo. Estiquei minha mão, na tentativa de ajudar a estátua a sair de seu palanque. E eis que, ao toque de meus dedos, ela se move. Como num encanto, a bela prende firme minha mão. Dá-lhe um longo beijo. Com a mornidão dos beijos de amor. Sorri plena. Segura a barra de sua túnica e desce majestosa. Assim vai-se a intocável peça. Rumo ao breu esfumaçado da noite.

Texto redigido em 28 de Julho de 2005, no Rio de Janeiro

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

E ai, Carol?

Tu mudas de Estado, mas a bolsa continua a mesma. :)

Bjs Neves

03 março, 2006 10:25  
Anonymous Anônimo said...

Beleza, garota?!

Fazia tempo que não tinha notícia tua. Ao que tudo indica, em Sampa, então?! Espero que esteja no melhor dos mundos, como diria um professor de filosofia em tempos remotos. Manda notícias!

Bjo, Maurício.

03 março, 2006 12:11  
Blogger vanessa said...

Oi Carol,

Amei o seu blog. E como era de se esperar, você escreve muito bem. Muito mesmo. Esse texto do coração de pedra é maravilhoso. Vc já está nos meus favoritos.

Chega de rasgação de seda..rsss

Preparada para volta às aulas?

=*

Vanessa

03 março, 2006 13:11  
Anonymous Anônimo said...

Sorte mana!
teus textos são ótimos!Quero ver textos novos agora pra eu comentar!
Bjãaaao Guria

03 março, 2006 19:26  
Blogger Carolina Freitas said...

Olá, queridos!

Estou em Sampa. Agora meu sobrenome é trabalho, trabalho e trabalho. Saudades de vocês!

Beijos e continuem comigo. Já tem novidade no Caxola!

14 março, 2006 22:59  

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