Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

sábado, maio 26, 2007

Pulmões

Pisa o acelerador, cospe nuvens de grafite. Seguro a respiração. Inútil: espirro, como é habito.

Ronca o motor e me estralam as costas de cansaço. Jogo-me no banco de parco estofamento. Espicho os olhos para fora da vidraça. Alguém grita e cerra os punhos: “Abre, motorista!” Inútil: ergue o dedo indicador do volante e balança a unha roída da direita para a esquerda – não.

Poeira de raiva do lado de cá. Fuligem de carbono do lado de lá. Resto de ânimo cá. Saudades de lá.

No balançar de um coletivo centenário, saracoteio até minha razão de ficar longe de lá, aqui. Falta asfalto no buraco. Sobra, no canteiro de flores cinzas. No caminho, um cemitério enterra vítimas do ar sujo, do congestionamento, da grosseria. Confesso certa inveja passageira.

Água suja, caída em bicas do desperdício, escorre pela sarjeta. Rejeitada, a mãe Terra chora em chuvas pontuais. Seis horas. Moças de botas de vinil se achegam às avenidas. Trabalho. Trabalho. Cada um com o seu.

Meu encantamento se dilui em ônibus lotado e vômito de canos de descarga. Pobreza – de bolso e espírito. Cidade madrasta.

Trabalho. Necessária lida de quem sonha. E, entre uma falta de ar e outra, sonho.

quarta-feira, maio 09, 2007

Ele, ponto final.

De início, belo moreno de olhos achocolatados. Fala mansa, paciência longa. Ares de professor. Dedos compridos para mostrar na tela luminosa do computador quem vem primeiro: aspas ou ponto final - coisa de lei no ofício de escriba que nos uniu.

Espevitada, vôo meus caracóis de terra vermelha para junto daqueles largos ombros. Debruço-me. Peço sinônimos para ‘moeda’ e ‘escola’. Rabisquei todos que conhecia. Ainda me resta meia lauda de palavras tortas, e o jornal bafora em meu pescoço pela tarefa concluída.

Olhos mouros me fitam calmantes. Folheiam sites. Rastreiam dicionários. E sussurram sugestões. Trocado, miúdo, centavo, pratinha. Colégio, instituto, ginásio, ateneu.

E vamos bamboleando nesta parceria ao acaso. Eu, interrogação. Ele, ponto final.

O tempo – adubo de pensamentos corados – tropeça ébrio pelos dias. E no 11 de dezembro topo com o menino mouro em meio a luzes coloridas. Cumprimentos usuais. Estalos de bochecha. Enrosco frouxo de mãos. Vi pouco mais, garanto: canto de olho espichado.

Sapatos vermelhos para cá. Mangas dobradas da camisa para lá. Serpentear de olhares no ritmo da música. Um par se enlaça no meio da penumbra colorida da noite.

Pontas de dedos caminham pé-antepé por meu braço de fios arrepiados. Esmalte descascado e cutículas crescidas afagam sem feiúra aquelas costas macias.

E – num tilintar – nuvens chovem estrelas sobre nós. Sem receio ou atraso, um beijo. Doce, macio, amanteigado. Rumo ao céu, sem escalas em meios amores. De uma vez para sempre. Tua.

You have your mission on this earth. You were born to love sure as you live. Born with everything heaven could give. You're the angel of my destiny. And to think that you have found your place on earth only to be born to love and be loved by me. [Born to Love, Billie Holiday]