Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

quarta-feira, setembro 16, 2009

O pedido

É meio dia. Chove sobre o asfalto da Avenida Paulista. A água corre pela sarjeta como um rio de lodo. Um toldo translúcido apara pingos. E acolhe a salvo d’água a cabeça descalvada do governador. Trololó e artimanha. Canapé e bebidinha. Puxa-saco. Puxa tapete. Sob o teto, ninguém molha a lapela.

Farto de papo, o todo-poderoso decide rodopiar-se dali. Segurança segreda ordens. Motorista manobra rodas. A postos. Aponta na borda do toldo o governador. Pé ante pé, desembarca no mundo real, restrito à calcada entre telhado e carro.

Eis que, por debaixo dos braços do segurança, embrenha-se um guri. Traz o corpo franzino enfiado em um saco de lixo verde - como se capa de chuva fosse. Ilude o céu cinza. Tapeia a guarda.

A pele denuncia que, em dias sem chuva, de sol besuntou-se o guri. Nariz afilado e olhos de azeitona. Com dedos estreitos, puxa a manga da camisa do governador. Conhece o político pelo nome e espera que ele conheça o seu. Não lembra. Sem desânimo, apresenta-se. A comitiva pára.

Com todo o espírito cívico que pode caber em pouco mais de um metro e meio, o menino explica a que veio. Há um ano, o governador fez uma promessa, no abrigo que abriga o guri. Jurou um presente. Que não veio.

O menino veio cobrar pipa e linha. Pra brincar.