Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Elas e Elis

Elas dominam Elis. Infestam-lhe a face. Salpicam-lhe o colo. Pontuam-lhe a barriga.

Pé ante pé. Saem, disfarçadas, de trás da orelha direita. Como um larápio prestes a entrar em ação, deslizam para a cara redonda cor de chocolate. Instalam-se nas bochechas recheadas. A doce maçã do rosto ocuparia com sobras o espaço entre o polegar e o indicador de uma tia coruja. Elas são temerosas àquela luz. Tremem ao se aproximar das bolitas cor de terra que Elis chama de olhos. A vassourinha de cílios pretos as varre para o nariz. E caem desengonçadas como um bêbado tropeçando no asfalto de uma noite suja.

Estateladas, ficam por lá. Erguem-se cambaleantes e sacodem a poeira. Pequenos grãos cinzas levantam vôo. Cheiro de tempo antigo. Baú de quinquilharias. O nariz de azeitona graúda avermelha-se de repente. Elis aponta o queixo para o teto. Aperta os olhos. Abre a boca cor de morango. Num lance, espirra. Elas, que se espanavam da queda, tomam um susto. Elis leva a mão larga ao rosto. Os dedos compridos acomodariam fácil uma manga madura. Mas agora tapam apenas aquela pequena bolinha de carne oval, assoada com uma ponta de papel amassado.

Alerta! Abandonam a área desnorteadas. Tropeçam nas narinas. Escapam da ameaçadora dúzia de dentes que se abraçavam em um sorriso. Pernas para que te quero. Escorregam pelas curvas suaves do queixo. Lançam-se em um abismo cego.

Queda. Tombo. Vertigem. Fecham os olhos para esquecer o suicídio acidental.

Pasmam. Sentem um travesseiro de plumas sob suas costas. Morno como um berço para filhotes. Espiam para os dois lados. Salvas. No colo macio de algodão, aninham-se as pequeninhas. No regaço, enrodilham-se as pintas pretas de Elis.

Elis (não a Regina) é amiga querida. Inspiração para exercício de descrição. Tudo por um texto melhor.