Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

segunda-feira, fevereiro 25, 2013

As pernas da bailarina


Ainda custo a afastar do peito essa angústia. Tanto feito. Tanto a fazer. E, antes que eu possa atualizar a lista de pendências, a vida vem e cobra. A gente faz as contas enquanto correm os juros. Viver é dever pra si. Viver é dever pro mundo.

Os ponteiros do relógio são como as pernas de uma bailarina que exagerou na dose ao chorar o fim de um amor.

A bailarina ensaia uma pirueta. Ergue a perna direita, desenha um semicírculo no ar. A perna de apoio bamboleia. Ela retorce o tronco a buscar equilíbrio e cai, lenta. Toca o chão como um lenço de pano. Pano de chão.

É quando a bailarina tomba que a música aumenta a batida. Dance, dance, dance, bailarina, ordena cada nota. Ela junta-se os cacos. Dança como pode, já zonza. As pernas bailam bambas. E as horas passam.

Anos passam. Já são quase 30. Não venero juventude nem vejo graça em molecagem. É só o peso dos 30. Não há nada com a idade. Meu problema é criar rugas antes de sararem as espinhas.

A vida corre rápido demais. Há dias durmo com uma certeza: acordarei com 90 anos. Ao lado da cama, sentada em uma cadeira de encosto alto, estará minha netinha. “Dorme, vó, é cedo ainda”, ela me diz. Fecho os olhos e cochilo. É cedo ainda.

"Caro é transformar-se num arremedo de si próprio a ponto de nem se reconhecer mais. Hoje eu tenho 130 anos, isso não estava nos meus planos. Você sabe, a desordem é tenaz" [130 anos, Agridoce]




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