Outras saudades

A mesa do botequim espera ansiosa. Pelo tamborilar de minhas unhas vermelhas no tampo de fórmica. Pelos teus dedos explicando um esquema tático qualquer. Pelo engatinhar de nossas mãos para se aprisionarem desavisadas. Trocam toalhas. Caem copos. Traçam toucinhos. Cruzam-se as pernas da mesa, zangada.
O asfalto deixa cair grossas lágrimas cinzas. Pelos passos teus. E meus. Que agora rumam sozinhos. Em descompasso. Sapatos pretos se arrastam pela calçada. Têm pressa. Trabalham até a noite. À meia-noite. Percorrem caminhos duvidosos. Saltos vermelhos batem na cara da rua. Vão firmes. Saem antes do sol nascer. E o sol nem sempre nasce. Esticam-se para alcançar bocas desconhecidas.
A minha poesia chora. Por não ter teus mouros olhos a percorrê-la. Lacrimeja à palavra não dita. Ao verso não lido. À dedicatória esquecida. Sente frio. Eriçam-se as rimas. Encolhe-se a métrica. Pela falta da mornidão do teu olhar. A contemplá-la como uma bela nua. Espia atordoada para fora da gaveta. Não avista tuas castanhas amêndoas. Suspira.
Num soluço, a poesia chora ao abandono. Dramática, se debate desesperada. Agarra-se à mesa. Foge de minha caneta. Encolhe os ombros. Entala o coração. Se contorce, sôfrega.
Pelo fim de nossa inspiração cotidiana, a poesia se amassa em uma bolinha de papel. E morre.