O mito do gordo safado

Há uma semana eu descobri que sofro de hipotireoidismo. É um distúrbio que desacelera o metabolismo. Muitos devem estar arrependidos de ter feito tanta chacota com o meu peso.
Sim. Ronaldo e eu, Carolina, temos algo em comum. Comecei a tomar os remédios há dois dias. Alimento uma discreta esperança de que o excesso de peso, velho companheiro, enfim fique pela estrada, caído como um peso morto.
Discreta esperança. Pois alguém que luta contra a balança há 16 anos simplesmente não tem direito de ser ambicioso. Há de se dar tempo ao tempo. E tempo ao corpo.
Fiz todas as dietas e reeducações alimentares imagináveis – e inimagináveis. Emagreci tanto quanto engordei. E engordei tanto quanto emagreci. Além do saldo negativo para a saúde, restou-me um saldo positivo em quilos. São 25 a mais do que meus tornozelos deveriam sustentar.
Mas comemoro. Porque quem luta contra a balança há 16 anos tem de aprender a festejar pequenos feitos. Há dois anos mantenho o mesmo peso. Não emagreço. Também não engordo.
Antes do hipotireoidismo, descobri que sofria, desde a adolescência, de distúrbios alimentares. Descobri isso num divã, onde, pela primeira vez, não fui tratada como uma gorda safada – que é como médicos e leigos (oi, você aí) tratam alguém fora de forma. Não emagrece porque não quer. Basta fechar a boca.

Aqui, a piada do gordo com escritos de “venci a anorexia” na camiseta perde a graça. Sim, venci a anorexia. Encarei a compulsão alimentar. E a estou vencendo. Um distúrbio geralmente se manifesta atrelado ao outro. A depender das emoções em curso.
Desde o início da terapia, desencanei de dietas. Abandonei nutricionista e endocrinologista. O esforço básico delas era me convencer do sabor insuperável de uma sopa de aipo. O quê? Você não gosta? Por isso é gorda. Gorda safada. Próximo paciente!
Pensei em nunca mais bater à porta de um médico de emagrecimento, mas alguém soprou o nome de uma. E eu estava mesmo curiosa em saber por que não emagrecia se comia direito há dois anos. E fui. Desconfiada sempre. Desesperançosa nunca.
Consultório modesto. Sem decoração planejada ou música ambiente. Entrei na sala de consulta e mal vi a balança, à espreita atrás da porta. A médica queria saber de mim. Uma hora de histórias tristes, que transformo em graça para não morrer de estresse.
O trauma da berinjela. A sopa de aipo. Os inibidores de (qualquer) apetite. Muitas risadas.
No final, um detalhe: meu peso. Sem interjeições de surpresa ou o anúncio do óbvio diagnóstico de “você está acima do peso”, ela anota os números numa ficha.
Segue-se uma manhã inteira de exames. E, depois de algumas semanas, a leitura deles. A tireoide desregulada faz parte de um quadro clínico chamado síndrome metabólica. Em resumo, o corpo está uma bagunça. Nada funciona direito. Sozinha (e sem remédios para reorganizar o metabolismo) eu jamais emagreceria.
Enfim, a certeza: não sou uma gorda safada. Quase ninguém de quem você tira sarro é. E só isso já me faz sentir mais leve.
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