Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

quarta-feira, janeiro 25, 2012

O lamento de uma velha banguela

Venha cá, minha velha. Não chore assim. Veja lá ao longe. O lamento, um dia, terá fim. “Só me lançam pedras”, balbucia a senhorinha de madeixas cor de prata. Não ligue para eles, querida. “Envenenam-me o sangue. Vomitam-me na boca”, diz. E leva as mãos aos olhos. Chora. A boca se abre em um gemido profundo. Sem dentes.

Não se apercebem de tua grandeza, oh, mulher. Não sabem que, por baixo dessa imunda carcaça, há um bocado de graça. Pois não dê plateia a malucos. “Quero morrer”, me diz a corcunda. “Quero morrer. Falta-me o ar.”

Ora, senhora. Olhe além da fumaça, dos carros, do prefeito – de helicóptero –, do óleo. “Quero morrer de inversão térmica. Com pingos de chuva ácida a tamborilarem no meu caixão”, geme.

Venha cá – envolvo os ombros estreitos dela com meu braço direito. Acalma-te e me ouve. Ela funga. Sabes que venho de longe. Sabes quantos somos aqueles que vêm de longe. Sabes das gotas de sangue. Sabes do suor.

Aqui derramamos nossos sonhos. Aqui depositamos nossas economias. Aqui, damos a cara a tapa. A soco. Na boca do estômago. Com gosto.

“Achas mesmo?” Acho. Mesmo. Ela passa a mão lustrosa e de veias saltadas pelo rosto. Esfrega o nariz. Espirra – rinite. Corre os dedos de cotonete por dentro do copo. Agarra a dentadura. Acomoda a peça nas gengivas. E sorri um riso de lua minguante.

“Pois se quiserem, venham me buscar.” E senta no meio fio da calçada, com a saia florida a varrer a sarjeta. Pego a velha pela mão e enlaço-lhe pela cintura. São Paulo, São Paulo, larga de ser tão teimosa.

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"Trago uma sacola murcha, sem nada dentro pra mostrar. Mas trago o coração imenso, cheio de esperança e amor pra dar. Venho vindo de tão longe, com os pés cansados de tanto andar. Mas sou destemido e forte. E coisa tão pouca não vai me assustar." [Chegando de mansinho, Dominguinhos]

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sábado, janeiro 14, 2012

Uma vida de menos

É costume. A gente sempre quer mais. O ano novo chegou faz pouco. E você deve lembrar de tudo o que pediu a mais para 2012. Mais dinheiro. Mais amor. Mais paz.

Menos, menos, menos. É tudo o que quero pelos próximos anos de vida.

Quem luta por mais dinheiro fica mesquinho. Por mais amor, egocêntrico. Por mais paz, bem... adiante falaremos de utopia.

Dinheiro é bom, sem dúvidas. Mas quanto vale um sapo entalado na garganta? E um ranário inteiro no estômago? Quanto vale o seu estômago? Já calculou quanto custa sua gastrite por ano? Eu calculei.

Com antiácidos gastei mais de R$ 100. Uma endoscopia de R$ 200. Uma consulta no gastroenterologista de R$ 300. Meu estômago, em 2011, deu prejuízo de R$ 600. Some-se o (alto) custo da dor e da depreciação do órgão. Por baixo, R$ 1 mil no ano.

Dá para comprar três pares de brincos lindos de cristal Swarovski. Dá passagem de ida e volta para Buenos Aires – e, na promoção, sobra grana para a hospedagem. Dá para armar um churrasco de patrão por semestre e gastar lá todo o estômago que você economizou.

Passa ano e a gente vai pagando pelo ranário no estômago. Depois de um certo ponto, sequer o sente. E quer mais.

Amor. Taí uma coisa relativa. Se você pede mais amor – tendo ou não alguém para chamar de amor - provavelmente você não precisa de mais amor, mas de menos neurose, menos encanação, menos implicância e menos exigências. Tirando tudo isso, o amor corre lépido e faceiro.

E a paz, meu bem, se você não é candidata a miss universo, já deveria ter desencantado dessa bobagem. Se alguém quer mais paz nesse mundo, está disfarçando bem. Porque nem se repara.

Condena a Igreja Católica, mas olha feio para a sua filha de minissaia. Fala aos brados contra a Kim Jong-il, mas fecha a cara quando recebe uma crítica. E faz vodu para quem ousou apontar um defeito dessa pessoa tão linda que é você.

Horroriza-se com a crueldade de Kadafi, mas xinga em e-mail coletivo seu subordinado. E-mail coletivo, esse pelourinho corporativo. Humilhação pública, exemplar, sem chance de defesa e com vasta plateia para escarnecer do pobre homem amarrado ao tronco. Ah, a evolução da sociedade.

Menos, menos, menos. Pai do Céu, nessa vida me dê menos estresse, menos juízo e, por obséquio, menos calorias. Serei assim, com menos para mim, feliz por demais.

"Todo mundo vive triste. Fala, fala, o dia inteiro. O mal de toda essa gente é a falta de dinheiro. Tudo passa nessa vida, nada fica pra semente. Não se matando a tristeza, a tristeza mata a gente." [Bamboleô, Carmen Miranda]

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