Caxola

Idéias flutuam pela ruas da cidade. Nadam pelos ares em busca de ouvidos atentos e ansiosas por olhos curiosos. Meu prazer voluntário é capturá-las, vesti-las de sedas e traduzi-las em palavras. No Caxola, a beleza acre do cotidiano veste traje de gala.

segunda-feira, junho 26, 2006

O Brasil. Dos outros.

Meu All Star nacionalista caminha pé-ante-pé pela avenida abarrotada. De carros, no asfalto. De povo, na calçada. Dia comum. Mas diferente. Como só o futebol pode torná-lo. A metrópole cinza veste verde e amarelo. Sopram cornetas. Pulam serpentinas. Chovem confetes.

Crianças serpenteiam na rua. Empunham bandeirolas à pátria-amada. Assalariados abrem sorrisos pela folga antecipada. Rumam ansiosos para a televisão mais próxima. Em ônibus-carcaças, se espremem cem. Camisas amarelas enlatadas. A euforia, injustificada, contagia. Sorrio por obrigação. Alegro meu coração por virose. Meu lenço verde no pescoço faz par perfeito com meu sorriso amarelo.

Poucos passos à frente de meus pés, a orquestra de contentamento desafina. A cidade empalidece. Uma mãe. Três filhos. Ela, rosto sulcado de dores. Eles, olhos injetados de fome. A mão estendida dança em meio a multidão de camisas amarelas. A pobre prole mira, curiosa, a atípica movimentação. Chinelo e garotinho apontam um grupo de transeuntes torcedores. “Olha, mãe!”. Náusea e mulher suspiram fundo. Baixam os olhos. Chutam uma pedrinha. “Pois é, filho”. E, num sopro, explicam: “Pros outros, hoje é festa”.

segunda-feira, junho 12, 2006

O dia dos [ex] namorados

Para lembrar e para esquecer, nada melhor do que um 12 de junho silencioso e frio. Quero a companhia somente de meus pensamentos. Eles ocupam espaço suficiente em meu quarto bagunçado. Toco um jazz na caixa e me largo na poltrona. Aquela doce esperança de que o príncipe um dia vai chegar não existe mais. O aperto dolorido de uma paixão mal sucedida também se foi. Há muito.

Meus meninos estão dentro do meu peito. Os que eu amei e que não me amaram. Os que me amaram e que eu não amei. Todos eles. Gastei tantas lágrimas com angústias coronarianas ao longo destes meus 15 anos de romances. Sim, pois lembro do primeiro piá por quem me apaixonei, quando tinha cinco anos. Assim como lembro do último cara por quem meu coração quase parou de bater. Talvez hoje seja o dia de lembrar para esquecer. Um dia dos ex-namorados.

Revivo os beijos. Cada noite e cada amanhecer. Os versos que escrevi. E foram muitas as palavras rimadas. Vivi amores. Morri de amores. Cada história deixou uns 500 gramas de chumbo em meu peito. Com o tempo, esse contrapeso começa a fazer mal às costas. Hora de se livrar do excesso de carga. É hoje o dia ideal.

Assim, esqueço de lembrar. Deixo pra trás o reencontro com que sempre sonhei. O dia ideal. O lugar ideal. O menino ideal. A Carolina ideal. É finda aqui a minha brava busca pelo par-perfeito. Chega de colocar lentes azuis pra ver a realidade. O pôr-do-sol desse 12 de junho nas pedras do Arpoador já é colorido o suficiente para alegrar meu peito. Para me fazer sair da poltrona e ir molhar os pés na água gelada do mar. Como fiz outro dia com Fulano, a quem jurei paixão eterna. E noutro ainda com Beltrano, com quem planejei casamento. Aliviem-se, meninos, parei de sonhar.

It's that ole devil called love game. Gets behind me and keeps giving me that shove again. Putting rain in my eyesTears in my dreams. And rocks in my heart. It's that sly ole-sun-of-a-gun again. He keeps telling me that I'm the lucky one again. But I still have that rain. Still have those tears. And those rocks in my heart. [That Ole Devil Called Love, de Billie Holiday]

Texto de 2005, Rio de Janeiro.
Novas palavras sobre amor [ou o que o valha] ainda esta semana.
Fique comigo. Sem conotações românticas, por favor.

quarta-feira, junho 07, 2006

Verbetes

Na claridade havia palavras. Doces ou duras palavras. Mas, ao menos, havia palavras.

Palavras soltas corriam ao vento. Encontravam seus ouvidos. Caiam macias. Saiam perfumadas. Podia ocorrer de virarem sonoras risadas. Mas, ao menos, havia palavras. Palavras de ofensa tropeçavam pelos cantos. Tateavam seus ouvidos. Despencavam grosseiras. Saiam atrapalhadas. Podia ocorrer de virarem caras amarradas. Mas, ao menos, havia palavras.

Na escuridão não as tenho. Espalmo minhas mãos atrás das orelhas. Mas não as ouço. Abro meus lábios, articulo sílabas. Mas não as posso pronunciar. Eis que no breu, velhos amigos, não há palavras. Não há canduras. Nem xingamentos. Só o silêncio. E ele me ensurdece. E ele me emudece.

Às saudades. De tudo. E de todos. Que ficaram na estrada. À falta que sinto dos distantes amigos do peito.